Protocolo da pesquisa básica da mulher infértil
O Centro de Diagnóstico em Fertilidade foi criado, entre outros motivos, para auxiliar e facilitar aos médicos a solicitarem os exames necessários para um diagnóstico rápido e completo das causas de infertilidade, permitindo a indicação do melhor tratamento para o casal tentante. Com este propósito, foram criados protocolos específicos para cada perfil de paciente, de acordo com a suspeita clínica, incluindo exames de análises clínicas, imagem e genética. Em uma sequência de artigos, iniciaremos a apresentação e discussão de cada um dos protocolos.
O primeiro protocolo criado, foi o assim chamado protocolo da pesquisa básica da mulher infértil que tem como finalidade atender a necessidade de exames iniciais da propedêutica de infertilidade, voltado para mulheres que estão iniciando a busca de eventuais fatores relacionados a dificuldade de gestar
Dentro deste protocolo estão incluídas as sorologias que devem ser realizadas por todas as mulheres previamente a qualquer gestação, além da pesquisa dos fatores hormonais que interferem diretamente no ciclo menstrual, como avaliação tireoidiana, perfil androgênico, progesterona e prolactina e por fim, a avaliação da reserva ovariana pela dosagem de FSH/ LH basal e AMH. Quanto as dosagens hormonais, o ideal é que sejam feitas, quando possível, em datas específicas do ciclo menstrual.
“As variações fisiológicas do ciclo menstrual podem interferir na interpretação das dosagens dos hormônios sexuais femininos, pois o ciclo menstrual da mulher é dividido em fases com funções e características próprias que ocorrem devido às flutuações da secreção pulsátil das gonadotrofinas hipofisárias. Por isso, para que seja possível a interpretação correta das dosagens do hormônio folículo-estimulante (FSH), hormônio luteinizante (LH) , estradiol e progesterona é fundamental conhecer a fase do ciclo menstrual em que foi realizada a coleta.
A primeira fase do ciclo é denominada fase folicular e dura cerca de 12 a 14 dias. Inicia no primeiro dia da menstruação e é caracterizada pelo aumento gradual de FSH, LH e estradiol. A fase folicular culmina na ovulação, que ocorre em decorrência da elevação do LH (pico de LH). A fase lútea vem logo após a ovulação, e dura, em média, 14 dias. É caracterizada pela produção de progesterona e redução das gonadotrofinas. Após a fase lútea, há uma redução dos níveis de progesterona que induz a descamação endometrial e resulta na menstruação ou fase descamativa.
Abaixo, iremos apresentar as indicações, a data recomendada para a coleta e a interpretação dos resultados de cada um desses hormônios.
Hormônio folículo-estimulante (FSH):
- Indicações: investigação de amenorreias, diagnóstico de falência ovariana prematura, avaliar a reserva ovariana e para auxiliar em ciclos de estimulação ovariana controlada, diagnóstico de menopausa e na identificação da transição menopausal em pacientes histerectomizadas.
- Período para coleta: fase folicular precoce (do segundo ao quinto dia do ciclo).
- Interpretação:
- Na investigação das amenorreias, a presença de FSH > 30 mUI/mL sugere causa primária (gonadal). Valores acima de 25 mUI/mL: medidos em duas ocasiões, em intervalo de 4 semanas, sugerem o diagnóstico de falência ovariana prematura. Valores acima de 25 a 30 mUI/mL são indicativos de menopausa.
- Na avaliação laboratorial da reserva ovariana, valores menores que 10 mUI/mL sugerem reserva ovariana normal. FSH acima de 10 a 15 mUI/mL parece indicar mau prognóstico para a reprodução assistida.
Hormônio luteinizante (LH):
- Função: essencial para a ovulação, para a maturação oocitária, para a esteroidogênese, sendo importante para a síntese de androgênios e progesterona.
- Indicações: avaliação do pico ovulatório, investigação de hipogonadismo e da puberdade precoce.
- Período para coleta: fase folicular precoce (do segundo ao quinto dia) e também no pico ovulatório (10o ao 13o dia).
- Interpretação:
- Na fase folicular, valores de LH maiores do que os de FSH sugerem anovulação. Valores menores que 1,0 mUI/L sugerem hipogonadismo hipogonadotrófico.
- Na investigação da puberdade precoce, valores de LH acima de 0,6 mUI/mL nos ensaios fluorimétricos ou acima de 0,3 mUI/mL nos ensaios por eletroquimioluminescência sugerem o diagnóstico de puberdade precoce dependente de gonadotrofinas.
Estradiol (E2):
- Indicações: importante para a avaliação do potencial reprodutivo da mulher, para a avaliação da reserva ovariana e para o monitoramento de tratamentos de infertilidade. Outra aplicação é o controle de tratamento de câncer de mama em pacientes em uso de inibidores de aromatase.
- Período para coleta: Deve ser medido do segundo ao quinto dia do ciclo menstrual. Em mulheres sob tratamento de reprodução assistida, o estradiol também deve ser dosado durante o pico ovulatório (10o ao 13o dia).
- Interpretação:
- Durante a fase folicular, valores menores que 80 pg/mL sugerem reserva ovariana normal e menores que 7,0 pg/mL sugerem baixa reserva ovariana.
- Para acompanhamento de tratamentos de fertilidade, valores de estradiol durante o pico ovulatório acima de 3000 pg/mL indicam a possibilidade de síndrome de hiperestimulação ovariana e valores < 600 pg/mL indicam má resposta à estimulação ovariana.
- Para monitoramento de pacientes com câncer de mama com inibidores de aromatase, o alvo terapêutico é a supressão da produção estrogênica ao mínimo possível. Nesses casos, o estradiol deve estar menor que 10 pg/mL.
Progesterona:
- Indicações: avaliação de ciclos anovulatórios, nos quais não ocorre a formação do corpo lúteo e, portanto, os níveis de progesterona permanecem baixos durante todo o ciclo.
- Período para coleta: na fase lútea, uma semana antes da próxima menstruação, idealmente, no 21o dia se a mulher apresentar ciclos de 28 dias.
- Interpretação: a presença de níveis > 3 ng/mL de progesterona na segunda metade do ciclo indica que houve ovulação recente.
Na presença de ciclos menstruais muito irregulares as dosagens podem ser feitas em qualquer momento. No entanto, são necessários outros exames complementares para que a causa da anovulação seja determinada”
Neste protocolo, realiza-se também a pesquisa de infecções habitualmente relacionadas às sequelas tubárias, como Chlamidia e Gonococo, além dos exames de ultrassom e histerossalpingografia.
“A Histerossalpingografia (HSG) é um exame radiológico contrastado que avalia a cavidade endometrial e as tubas uterinas delineando o trajeto a ser percorrido pelo espermatozóide e o local onde ocorre a fertilização.O principal benefício do procedimento é a possibilidade de diagnosticar a causa da dificuldade de engravidar fornecendo subsídios que irão orientar na tomada de decisão de estratégias e tratamentos ou indicação de técnicas de reprodução.
A Histerossalpingografia é considerada como método “padrão ouro” na avaliação das tubas uterinas e é indicada para mulheres que estão tentando regularmente engravidar sem sucesso há pelo menos um ano, quando há suspeita de alterações inflamatórias, infecciosas, obstrução nas tubas, deformidades e aderências na cavidade uterina ou ainda distúrbios da ovulação que necessitam de estímulos hormonais.
É um exame rápido de fácil execução, com mínimo desconforto para a paciente e que pode fornecer informações valiosas e importantes, não apenas constatando a permeabilidade tubária, mas principalmente avaliando a anatomia, a viabilidade e a funcionalidade da tuba uterina e se esta é capaz de captar o óvulo , proporcionar o encontro dos gametas, fornecer ambiente propício para a fertilização e transportar o embrião recém formado para a cavidade uterina.
Alterações na mobilidade e no peristaltismo tubários decorrentes de processos inflamatórios, infecciosos ou pós cirúrgicos podem ser percebidos e diagnosticados através deste exame em tempo real sob visão fluoroscópica. Além disso, os processos aderenciais pélvicos e peri tubários que dificultam ou impedem a captação do óvulo, também são prontamente visualizados através do padrão de dispersão do contraste na cavidade pélvica.
Nas mulheres diagnosticadas com endometriose, discretas alterações na superfície, no relevo mucoso e no peristaltismo tubário indicando infiltração local podem ser caracterizadas mesmo em tubas com calibre normal.
Nenhum outro método diagnóstico por imagem é capaz de avaliar essas estruturas em tempo real e com alta definição principalmente quando atualmente entendemos que além das tubas uterinas serem permeáveis, a anatomia e funcionalidade tubárias também devem estar preservadas”
Como ao redor de 30 a 40% das mulheres inférteis tem endometriose, ao invés de realizarmos um ultrassom transvaginal simples, optamos por incluir um ultrassom com preparo intestinal, uma vez que a incidência desta patologia é alta entre as tentantes.
"Cerca de 40% das mulheres com dificuldade para engravidar tem endometriose, por isso essa investigação deve ser realizada sempre que não há um outro motivo claro que esteja impedindo a gravidez.É importante lembrar alguns outros pontos sobre este tema:- nem sempre a endometriose dificulta ou impede a gravidez, principalmente em pacientes jovens, com doença inicial;- o fato de já ter engravidado anteriormente não afasta a possibilidade de endometriose.
O ultrassom transvaginal de rotina não é suficiente para o diagnóstico da endometriose?
Vários fatores dificultam que a endometriose seja diagnosticada num Ultrassom transvaginal de rotina. A endometriose é uma doença que pode afetar múltiplos locais na pelve e fora da pelve, pode ter tamanhos variados, desde espessamentos milimétricos do peritônio (camada que reveste o abdome por dentro) até grandes cistos. Essa complexidade e variedade de aspectos obriga que, para fazer o diagnóstico, tenhamos um profissional especializado em Imagem da endometriose e um roteiro de exame incluindo todos os possíveis locais da doença.
No que o preparo intestinal ajuda no diagnóstico?
Não seria mais fácil para a paciente fazer o exame sem preparo e, se houvesse duvida, realizar o preparo? O ar e o conteúdo intestinal interferem na qualidade das imagens obtidas no ultrassom e até na ressonância magnética, portanto, se estamos tentando diagnosticar e mapear uma doença tão difícil e importante para a paciente, devemos estar nas melhores condições possíveis de avaliação. Nesse contexto, o preparo intestinal se torna obrigatório e o realizamos desde que começamos a desenvolver os protocolos de diagnóstico por Imagem há 20 anos atrás.
É possível diagnosticar todas as formas de endometriose com a Ultrassonografia especializada com preparo intestinal?
Como já foi dito, a endometriose pode ser muito pequena, algumas vezes menor do que 5 mm. Esta forma de endometriose, chamada de superficial, pode não ser visualizada na Ultrassonografia com preparo intestinal, mas como regra, tem menos importância clinica, apesar de poder causar alguns sintomas. Em resumo, um exame
especializado de ultrassom detecta e mapeia todas os focos importantes para o tratamento da paciente, tanto sob o aspecto reprodutivo quanto de decisão sobre o melhor planejamento terapêutico.
Quais os principais fatores que interferem na qualidade da Ultrassonografia especializada para endometriose?
Em ordem de importância podemos citar:
- experiência do médico de Imagem com endometriose;
- protocolo completo com preparo intestinal, analisando todos os possíveis locais de endometriose pélvicos e extra pélvicos;
- qualidade do equipamento."
Vale deixar claro, que os protocolos são sugestões, devendo ser sempre valorizada a indicação do médico do casal, pois só ele tem o conhecimento da história clínica e antecedentes necessários a decisão da conduta individualizada. Mesmo que não sejam solicitados todos os exames do protocolo, os pacientes terão uma diminuição de 20% dos custos dos exames clínicos, quando da sua realização na nossa unidade especializada.